Certidão da verdade: 56 anos após ser morto na ditadura militar, 1º prefeito de Balneário Camboriú terá documento e história atualizados

  • 05/03/2025
(Foto: Reprodução)
Higino João Pio foi preso na Quarta-Feira de Cinzas de 1969, e nunca mais foi visto vivo pela família. Certidão de óbito descrevia suicídio forjado como causa da morte e será atualizada como morto pelo estado brasileiro. Morto pela ditatura, 1º prefeito de Balneário Camboriú terá certidão de óbito retificada Na Quarta-Feira de Cinzas, em 19 de fevereiro de 1969, Higino João Pio, o primeiro prefeito de Balneário Camboriú, no Litoral Norte de Santa Catarina, foi preso pela ditadura militar sem justificativa aparente. Após duas semanas enclausurado, em 3 de março, no dia do aniversário de sua esposa, ele foi achado morto em uma das celas da Marinha, em Florianópolis. Após 56 anos de esquecimento, a certidão de óbito que descrevia um suicídio forjado do político como causa da morte será atualizada. No documento, agora vai constar a verdade: ele foi morto pelo estado brasileiro durante a ditadura. Higino João Pio é uma das 434 pessoas assassinadas ou desaparecidas pelo regime no Brasil, e o único morto em Santa Catarina. Todas as vítimas receberam o direito de ter o atestado da morte - a sua história - atualizados após resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ✅Clique e siga o canal do g1 SC no WhatsApp As mudanças acontecem em meio à repercussão do filme "Ainda Estou Aqui", que conta o assassinato do ex-deputado Rubens Paiva pelos golpistas. No domingo (2), a obra recebeu o prêmio de Melhor Filme Internacional. Julio Cesar Pio, filho do ex-prefeito Higino, relembra drama da família Patrick Rodrigues/NSC O processo de alteração da certidão do prefeito catarinense está sendo feito em cartório no bairro Estreito, próximo de onde o político foi morto. A família do ex-prefeito, que lutou por anos pela documentação, aguarda ansiosa: “A gente sentiu muito. Eu, meu irmão, minha irmã, minha mãe, e até hoje a gente não esquece”, relembra o empresário Júlio César Pio. Filho do meio, ele tinha 13 anos quando o pai foi assassinado. Hoje é dono de uma construtora em Balneário Camboriú que leva o nome do político em “em honra a sua memória”. ⚠️ CONTEXTO: Balneário Camboriú é um grande polo turístico e econômico de Santa Catarina, do Brasil e do Mercosul. Além das praias e atrativos turísticos, ela abriga os maiores prédios do Brasil. Sua história começou em 1964, quando a cidade se descolou de Camboriú. Balneário Camboriú antes dos arranha-céus Maiko Nienkotter Você vai ler aqui ➡️ Quem foi o 1º prefeito de Balneário Camboriú morto na ditadura; ➡️ Morte teve relação com Jango e disputa política na região; ➡️ Comissões e busca pela verdade sobre a morte do político; ➡️ Reparação histórica; ➡️ Prisão, hospital, pedido de socorro, morte pelo rádio e gritos; Quem foi o 1º prefeito de Balneário Camboriú morto na ditadura Natural de Itapema, cidade vizinha a Balneário Camboriú, Pio era hoteleiro e dono de terras, e tornou-se o primeiro prefeito eleito da cidade, em 1965, pelo Partido Social Democrático (PSD) na coligação com Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), assim que o município se descolou de Camboriú. A prisão dele, quatro anos depois, foi justificada por supostas corrupções na administração, e que nunca foram provadas. Hoje, praça, escola e rua levam o seu nome. Higino João Pio foi assassinado em março de 1969 SCC/Divulgação Morte teve relação com Jango e disputa política na região Segundo a história remonta, vereadores da oposição fizeram uma investigação e denunciaram o político por corrupção administrativa. Mesmo após inocentado em votação pela própria Câmara dos Vereadores, o processo foi enviado para o extinto Serviço Nacional de Inteligência (SNI), de Curitiba (PR), e depois, para a Polícia Federal e Procuradoria Geral. Foi isso que levou a prisão. Atualmente, a causa do crime é atribuída a relação que ele tinha com ex-presidente João Goulart (PTB) e, em especial, a disputa política na região. Em 1965, a coligação do PSD/PTB também ganhou a eleição no estado, e teve como derrotada a União Democrática Nacional (UDN). "Jango passava as férias em Balneário e tinha contato com o Higino. Quando ele foge, vira uma caçada às bruxas. Mas principalmente por causa das disputas locais dos políticos”, diz Anselmo Machado. Advogado, ele atuou na Comissão Estadual da Verdade Paulo Stuart Wright, em 2014, que contou com audiências na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) e ajudou a elucidar a morte do político. A investigação estadual foi produzida em apoio à Comissão Nacional da Verdade (CNV), que realizou perícias para esclarecer as violações de direitos humanos que aconteceram na ditadura. O órgão concluiu que o catarinense “foi interrogado e mantido isolado” nas dependências da Escola de Aprendizes de Marinheiros, na Capital, e morreu “após estrangulamento, em ação perpetrada por agentes do Estado” , segundo consta o documento. Seu corpo foi colocado, “após a rigidez cadavérica haver se instalado”, pendurado com arame no pescoço, amarrado na torneira e com os pés próximos ao chão, em uma cena de teatro montada. A informação consta no relatório final da comissão, que tem mais de 1,9 páginas entre laudos, fotos e depoimentos. Imagens mostram laudo forjado da morte do primeiro prefeito de Balneário Camboriú durante a ditadura Arquivo Pessoal/Divulgação Comissões e busca pela verdade sobre a morte do político Os relatórios estadual e nacional das comissões são considerados marco na democracia país. Em Santa Catarina, o trabalho concluiu que ao menos 698 pessoas sofreram lesões aos direitos humanos naquele período no estado. A principal vitória do grupo, porém, foi “desmentir a mentira criada em torno da morte do Higino”, resume Machado. Trecho do laudo sobre a morte do prefeito de Balneário Camboriú Caroline Borges/g1 ➡️ Além de reconhecerem a farsa do suicídio, as comissões recomendaram investigações para responsabilizar os operadores da morte do prefeito; ➡️ Em 2018, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma denúncia de 327 páginas contra seis homens pelo crime, além do pedido de extinção de punibilidade de outros envolvidos em decorrência da morte deles. Denúncia caluniosa, sequestro e falso testemunho eram os crimes apontados; ➡️ Dois anos depois, em junho de 2020, o caso foi arquivado mesmo após recursos sob justificativa da Lei da Anistia. Até hoje, ninguém foi punido pelo assassinato do prefeito. Reparação histórica Mesmo com o arquivamento do caso na esfera criminal, a família busca reparação por meio de uma ação indenizatória contra a União. Em primeiro grau a Justiça Federal reconheceu a causa da ação mobilizada pelos advogados da família Carlos Eduardo Serpa e Alexandre Blasi. A família, porém, buscou esferas superiores para aumentar o valor da sentença. Na denúncia arquivada, o MPF faz descrição dos fatos com depoimentos. O texto, porém, afirma que a prisão do prefeito ocorreu em 22 de fevereiro. O advogado Serpa sustenta que houve uma confusão com as datas, já que nas comissões e documentos históricos, a prisão consta como ocorrida em 19 de fevereiro de 1969, um ano após o Ato Institucional Número 5 (AI-5). O processo agora aguarda recurso especial no Supremo Tribunal Federal (STJ). "A família, além de perder um ente amado, um ente querido, ainda ficou décadas com essa peste de que ele tinha se matado por causa de corrupção. Nunca foi descoberto nada. Nomearam um interventor na prefeitura e a família sofreu muito. Perderam patrimônios, bens", explica o advogado que aguarda decisão na Justiça. Prisão, hospital, pedido de socorro, morte pelo rádio e gritos No dia da prisão, o prefeito foi abordado na prefeitura de Balneário Camboriú e levado sob escolta da Polícia Federal até a Escola de Aprendizes da Marinha, no bairro Estreito, na Capital do estado. Outros funcionários do município chegaram a ser detidos na sequência, mas foram soltos nos dias que se passaram. Enquanto isso, João Pio prestava depoimentos e ficava incomunicável. Conforme cita a denúncia do MPF, no dia 25 de fevereiro, o político chegou a ser levado ao Hospital Naval, também na Capital, no bairro Agronômica, para exames após se queixar de dores nos rins. Por lá, ficou internado dois dias, recebeu alta e retornou às dependências da escola, onde nunca mais saiu. Em 3 de março, Amélia Cherem Pio foi até Florianópolis tentar respostas e pedir para ver o esposo, já que era seu aniversário. Conforme o filho do casal, a visita foi negada, mas os militares teriam dito que o político voltaria para casa naquele dia. A mulher soube pelo rádio da morte na volta para a cidade que morava. “Quando ela foi lá para pegar ele, disseram que ele ia sair, mas ele já tinha sido morto”, relembra o filho ao dizer acreditar que o pai não será esquecido. "As pessoas que nasceram depois, ainda conhecem a história dele". Em 1996, o deputado estadual Nilton Kucker prestou depoimento sobre a morte do colega de partido na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), do Ministério da Justiça. No relato, disse que recebeu um bilhete do prefeito com pedido de socorro e que no velório, um professor de matemática da Marinha confessou a ele ter ouvido “gritos e choro do falecido”. Trecho retirado em denúncia sobre a morte do político catarinense durante a ditadura MPF/Recorte Em 15 de maio de 1997, a CEMDP atestou a responsabilidade do estado brasileiro pela morte do político. Em outro passo para elucidar o caso, em 20 de março de 2009, o político foi reconhecido como anistiado post mortem pela Comissão de Anistia. Jornalista e pesquisadora que cobre há mais de 15 anos as histórias da ditadura militar no Brasil, a catarinense Juliana Dal Piva lançou um livro que fala sobre o caso Rubens Paiva. Em conversa ao g1, a repórter afirmou que a busca pela verdade em casos como os dos dois políticos ajuda a fortalecer a democracia. “A gente constrói democracia e justiça a partir da memória e não do esquecimento. A gente veio de algum lugar, a gente vai para outro a partir da memória. E construir a partir do esquecimento é permitir que aquele tempo possa voltar, que essas histórias podem se repetir”, afirma. ✅Clique e siga o canal do g1 SC no WhatsApp VÍDEOS: mais assistidos do g1 SC nos últimos 7 dias

FONTE: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2025/03/05/1o-prefeito-de-balneario-camboriu-morto-ditadura-historia-atualizada.ghtml


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